segunda-feira, 1 de junho de 2015

Mudança de procedimento da Comissão de Ética do Hospital de S. João sobre bebés prematuros...

Soube esta semana que, por ti, nunca mais nenhuma mãe sairá do HSJ sem que o seu filho lhe seja colocado nos braços (salvo se assim não quiserem, mas serão aconselhadas a fazê-lo). Não te traz de volta, não nos leva de volta a esse momento que imagino ser difícil, mas mágico, que palavras não há para descrever senão vivê-lo. Conforta-me um pouco mais o coração, perceber o teu propósito para os outros. Para mim és o que és, desde o primeiro momento. A minha primeira filha. em 12/4/2015

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Exposição do caso Victória ao Hospital de S. João

Esta exposição já foi enviada em Julho e posteriormente obtivemos uma resposta, que se encontra em baixo. Exmos. Senhores, Trago um caso a submeter à Vossa apreciação, inquérito e averiguação. O meu nome é Tatiana Daniela Gonçalves, n. de processo desse hospital 94015771. A propósito da minha gravidez (primeira gravidez) - 31/12/2012: atendimento no serviço de urgência por hemorragia vaginal. Foi-me dito que parecia existir um pólipo no colo do útero e que a hemorragia poderia advir daí, contudo, pela ecografia realizada, o saquinho gestacional apresentava-se irregular e que muito provavelmente a gravidez não iria desenvolver-se. Sendo a noite de passagem de ano, não era a notícia que eu mais queria ouvir. Contudo, mantive-me confiante de que tudo iria correr bem, apesar da preocupação com a hemorragia. - 4/01/2013: atendimento no serviço de urgência por hemorragia vaginal. Foi-me dito que realmente a gravidez não tinha evoluído e a hemorragia que estava a ter, uma vez que já tinha 5 dias, era um abortamento. Foram-me apresentadas 2 soluções: ou aguardar que o processo se desenrolasse naturalmente e o aborto acabasse por acontecer ou dar início ao protocolo de introdução dos comprimidos vaginais para acelerar o processo. Eu optei por esperar que saísse naturalmente e foi-me informado que em qualquer altura poderia voltar ao serviço de urgência e dar inicio ao protocolo. Receitaram-me tramadol+paracetamol para o caso de começar a sentir dores mais fortes. Fiquei triste e desiludida por se confirmar que a gravidez não tinha evoluído, mas aceitei a opinião médica que me foi dada. A 7/01/2013, senti fortes dores nas costas e pensei poder-se tratar do início do processo de abortamento e tomei 1 comprimido de tramadol+paracetamol. - 11/01/2013: atendimento no serviço de urgência por hemorragia vaginal. Fui confrontada com o facto de estar registado no computador que eu é que não quis avançar com o protocolo e portanto teria que aguardar que o processo de abortamento se concluísse. Expliquei que a minha preocupação residia no facto de nunca ter passado por tal situação e não queria que, passado tanto tempo com hemorragia de um abortamento, pudesse deitar por terra hipóteses futuras de uma nova gravidez. Fui examinada, em que foi confirmada a existência do pólipo no colo do útero e após ecografia, foi-me dito que afinal eu tinha um embrião e com batimentos cardíacos. Demonstrei a minha preocupação por ter tomado um comprimido de tramadol+paracetamol ao que me responderam que não trazia problema nenhum e que no caso de uma grávida ter muitas dores teriam que dar alguma coisa mais forte do que só ben-u-ron. A felicidade foi imensa, e congratulei-me por ter decidido não introduzir os comprimidos vaginais por não querer intoxicar mais o meu organismo. As hemorragias continuaram durante algum tempo, que me levaram mais algumas vezes ao serviço de urgência. A partir de 17/01/2013 passei a ser seguida no serviço de obstetrícia e a restante gestação decorreu sem qualquer complicação. Quero salientar já o desempenho da Dra. Ana Paula Machado como minha médica assistente. Sempre me senti acompanhada, cuidada e vigiada. - 18/04/2013: Ecografia morfológica sem qualquer complicação e onde se confirmou que vinha a caminho a Eva Victória. - 21/04/2013: Atendimento no serviço de urgência por corrimento vaginal líquido. Foram feitos alguns exames, sendo que apenas a ecografia sugeria haver diminuição do líquido amniótico, visto que no momento em que fui atendida não estava a perder qualquer líquido. Foi-me dito que poderia ir para casa com a recomendação de repouso absoluto (uma vez que não era possível avaliar com toda a certeza se era líquido amniótico) até a situação ser comunicada à Dra. Ana Paula e ela decidir o que fazer. Foi o que fiz. Completamente convicta (no meu pensamento positivo) que não seria líquido amniótico, fui para casa repousar. No dia seguinte, por volta das 12.00 levanto-me e volto a sentir o líquido, mas desta vez a escorrer. Fui de imediato para as urgências. -22/04/2013: Atendimento no serviço de urgência pela Dra. Ana Paula (que entretanto me disse que já lhe haviam transmitido o episódio do dia anterior e que me ia contactar para me ver) que avaliou a situação e confirmou que era uma rutura franca da membrana com perda de líquido amniótico, razão pela qual eu teria que ficar imediatamente internada até às 36 semanas. A Dra. Ana Paula, explicou-me que não era uma situação fácil, dado eu ainda ter 21 semanas e 6 dias, e perguntou-me se era para investir na gravidez, ao que respondi afirmativamente. Depois de serem tratados todos os procedimentos do meu internamento, recebi a visita da Dra. Ana Paula para verificar o meu estado, e pediu à enfermeira para me colocar na enfermaria seguinte (que estava vazia) uma vez que o meu internamento seria prolongado e necessitaria de mais sossego. Assim o fizeram. Durante este tempo, embora inicialmente tivesse sofrido um choque porque não estava a contar com esta situação, aceitei que assim teria que ser até ao final da gravidez para que tudo corresse bem. -25/04/2013: Embora continuasse sozinha na enfermaria, este dia foi completamente atípico para o tratamento e atendimento que eu tinha tido até então. O turno de enfermagem dessa manhã mostrou-se ser mais agitado do que eu já estava habituada. A higiene foi feita mais tarde, a avaliação das tensões e batimentos cardíacos da bebé foram mais tarde… Tentei adaptar-me o melhor que pude à situação. - 26/04/2013: Entra na enfermaria uma nova paciente a meio da tarde e ao final do dia entrou outra. Logo, a enfermaria ficou preenchida. Eu não pretendia um atendimento mais privilegiado do que as outras pessoas, mas efetivamente ter mais pessoas na enfermaria significa também mais pessoas para as visitas e mais ruído de fundo. O sossego tão apreciado por mim e recomendado pela Dra. Ana Paula deixou de existir. - 28/04/2013: Na madrugada deste dia comecei a ter fortes dores abdominais. Depois de ter urinado e ter verificado ao limpar-me que havia vestígios de sangue, chamei o enfermeiro e informei-o do meu estado. Disse-me que poderia ser normal devido ao laxante que estava a tomar e deu-me ben-u-ron para as dores. Aliviaram um pouco, durante 2h, mas voltaram com a mesma intensidade. De manhã, voltei a detetar sangue mais abundante e a enfermeira decidiu chamar uma médica. Depois de examinada, foi-me dito que estava a entrar em trabalho de parto, que dado o quadro clinico seria normal, mas também poderia haver uma estagnação da dilatação que estava com 2 dedos. O que eu pensava serem cólicas, afinal eram contrações. Fui levada para a sala de partos onde poderia ser melhor monitorizada, cerca das 11.00h e onde permaneci sempre com contrações, com tempos irregulares, ora de 20 em 20 minutos, ora de 10 em 10 ou ainda de 15 em 15. Nesse momento pedi para contactarem a minha médica assistente e foi-me dito que não podiam. Cerca das 17.00h tive nova avaliação e dado que as contrações tinham parado e a dilatação permanecia com 2 dedos, fui transferida de novo para o internamento. Pouco depois do jantar, as contrações voltaram e voltaram também a chamar uma das médicas de serviço para nova avaliação. Estava já com 5 dedos de dilatação e a Dra. perguntou-me se eu compreendia o que estava a acontecer. Eu disse que sim, que sabia que era uma situação complicada, mas que minutos antes tinham ouvido os batimentos cardíacos da minha filha e estavam normais e que eu continuava a senti-la mexer. A Dra. disse que dada a idade gestacional (22 semanas e 5 dias), não era para investir, ao que eu respondi: “enquanto há vida há esperança”. E voltei a pedir para chamarem a Dra. Ana Paula, ao que me foi respondido que não o podiam fazer. E fui de novo levada para a sala de partos, por volta das 23.00h. Lá fiquei, até que por volta da 1.00h comecei a vomitar e colocaram-me a soro e deram-me primperam. Por volta dessa hora também, foi chamada uma equipa de neonatologia para falar comigo e com o meu marido, a fim de explicar qual o procedimento a adotar no caso de um parto às 22 semanas e 5 dias. A Dra. Susana (?) falou sobre as probabilidades de não sobrevida e da “qualidade” de vida destes bebés. Além disso falou que só investem em bebés a partir de 24 semanas que é quando consideram haver viabilidade mínima e só se tiverem 500g de peso. Disse ainda que num caso como o meu, nem sequer está presente um neonatologista na sala de partos porque não é considerado um parto, é um aborto. Perguntei mas se então estava a sentir a minha filha a mexer-se, isso significava que ela ia nascer com vida, a minha filha estava viva, então o que iam fazer? Disseram-me que ela só permanecia viva enquanto estivesse ligada a mim pelo cordão umbilical e que assim que o cortassem, ela deixaria de respirar, no fundo, de viver. Para mim, isso não fazia sentido nenhum. Então, o que vemos nos filmes e o que sabemos empiricamente é que os bebés nascem, o cordão umbilical é cortado, e se o bebé tem dificuldades respiratórias ou cardíacas ou de qualquer tipo, é-lhe prestada assistência, mesmo que disso resulte a sua morte ou graves sequelas. Mas é-lhe dada uma oportunidade. De resistir, de sobreviver, ou simplesmente morrer. E basicamente, estavam a dizer-me que essa oportunidade não seria dada à minha filha. Permaneci naquela sala de partos, toda a noite só com acompanhante, não voltei a ver nenhuma enfermeira nem médica, até perto das 7.00h. A essa hora veio uma enfermeira dar-me antibiótico e colher sangue. Ás 8.00h entrou uma nova equipa na urgência e fui vista pela Dra. Ana Paula, por volta das 8.20h, que confirmou que a minha filha ia nascer e estava já com a cabeça fora do útero. E assim, às 8.45h a minha filha nasceu, de parto normal, com vida e aparentemente saudável e nada fizeram para tentar salva-la. Depois de todo este relato, gostaria que reflectissem sobre todos os procedimentos que o envolveram. De um modo geral, ainda permaneço com bons sentimentos em relação a esse hospital, nomeadamente ao serviço em que estive internada e especialmente à Dra. Ana Paula. No entanto, é minha preocupação que o que eu passei não se volte a repetir com mais nenhuma paciente. Principalmente no momento em que entrei em trabalho de parto. Foi a minha primeira gravidez, havia ainda um sem número de situações para as quais não estava preparada (e certamente não estou para outras tantas), especialmente no que toca ao “não investimento” na vida humana, porque é de uma vida humana que se trata. Em nenhum momento (até me ter sido dito pela ultima doutora) eu percebi que a probabilidade de não sobrevida ser praticamente nula (naquela idade gestacional), significava que não “investiam” nos bebés e os deixavam morrer. Em nenhum momento me foi dado a escolher se queria ou não que fossem prestados cuidados neonatais à minha filha. Simplesmente me disseram que não o fariam. A minha esperança sofreu avanços e recuos, que acompanharam a subida e descida para a urgência. E no final, fiquei com o sentimento de que a minha esperança me foi roubada. Alguém tomou a decisão por mim, foi algo que me ultrapassou e uma mãe quer sempre fazer todo o possível pelos seus filhos. E eu fi-lo, mas não deram continuidade aos cuidados que eu estava a ter até então. A única coisa da qual me arrependo neste processo, foi não ter visto a minha filha. Ninguém nem nada na vida, nos prepara para o momento que eu vivi. Mas o facto de por várias vezes me terem dito que eu ia ter um aborto e um feto e não um parto normal e uma bebé, fez-me convencer naquela noite que eu ia ter uma “coisa” e não uma filha. E quando, de manhã, finalmente se deu o parto, foi tão rápido que não consegui voltar a pensar nisso. A dor era e é tão grande que não consegui lidar com ela naquele momento. Hoje consigo raciocinar o suficiente para perceber bem que eu fui mãe. Eu sou mãe, mas de uma filha que nasceu às 22 semanas e 6 dias e a deixaram morrer. Acredito que, se em vez de uma equipa de neonatalogistas ou até mesmo de obstetras, alguém falasse comigo de uma forma mais humana (eventualmente mais carinhosa) e que explicassem que as probabilidades de sobrevida seriam quase nulas mas que tentariam o possível e que eu me devia preparar para a morte da minha filha, eu estaria muito mais em paz. Até mesmo durante a noite, em que fui deixada sozinha, uma vez que deixei de ter dores, acreditei sempre até ao parto, que a minha filha não iria nascer naquele dia e o trabalho de parto iria estagnar e tudo iria ficar bem. E eu ficaria internada até às 36 semanas e a minha filha nasceria nessa altura, perfeita e saudável como sempre foi até então. Além disso, dia 10/05/2013 recebo uma carta em casa a atestar o internamento de 9 dias e onde certifica que tive um nado vivo do sexo feminino com 520g às 8.45h. Sem mais nenhum esclarecimento nem informação e que ainda hoje estou à espera de receber resultados das análises efetuadas à placenta, embrião e cordão umbilical. Tendo tido um nado vivo, não será de receber informações sobre a causa e hora da morte? E é enviada uma carta deste tipo para casa? Agora que se trata de seguir com a vida como era antes (mas que nunca será), e possível tentativa de nova gravidez, a grande pergunta é se conseguirei vive-la de uma forma sã e tranquila. Eventualmente conseguirei, mas só depois de ver respondidas todas estas reflexões e que isto por que passei tenha algum sentido. Aguardo uma resposta de V. Exas. Grata pela atenção Resposta do HSJ a esta exposiçãoResposta do HSJ a esta exposição Continuação da resposta Ver em https://www.facebook.com/pages/Vict%C3%B3ria-Prematura-de-23-semanas/681280765223297?fref=ts publicado em Victória - Prematura de 23 semanas 28 de Janeiro de 2014